Estão construindo uma destruição
já ouço rumores sobre o
levantamento de paredes
para permitir uma sociedade sem
portas
onde circulem livremente todas as
ideias (certas)
e andem tranquilamente todas as
pessoas (boas)
e paremos com isso de ter que
adjetivar homem-branco-hetero-cis-que- merda
porque as pessoas são sempre
todas
salvo quando não são pessoas.
Estão consumindo uma destruição
e inauguraram ontem um muro alto
e robusto chamado Liberdade.
Gostam de dar nomes bonitos para
muros
porque nomes bonitos são como
janelas
que podemos fechar para não ver o
que não é bonito
(e assim se fazem os conceitos).
Teve uma festa grande para
mostrar
que agora todos estavam seguros e
livres.
Para comemorar
mataram três pessoas
que não eram lá muito pessoas.
Estamos seguindo – isso, sempre.
Parar não é opção quando se é
muitos
e querem seu corpo para tijolo.
Eu e os meus temos adjetivos
demais
para sermos pessoas,
mas já estamos fazendo rotas de
permanência
que são como rotas de resistência
quando não há fuga,
quando não há fora.
Não há como murar nosso jeito de
estar.
Se nos obrigam a partir de um
tempo
pois que fazemos espaço.
i. me contou que pretende se
mudar para um abraço
b. fez uma fazenda de vagalumes
para ver se alumia outros
possíveis
p. trabalha noite e dia fazendo
casas de papel
para gente que mora em ideias
l. disse que alistou seu riso
para peça de quebra-cabeça
porque (bendita seja) sempre
acredita nos encaixes
e eu? eu tento cruzar pontes a
bordo de bolhas de sabão
para ver se enfim a gente se move
da gente
até um outro
até o Outro
até ser gente
bombardeando o muro
com mil partículas de
encantamento.