Meu
primeiro plano para o ano é desinventar em mim algumas palavras. Palavras que,
pelo peso ou repetição, já andam a fatigar meu linguajar rotineiro e desandar
minha pontuação. Mais: palavras meio mesquinhas, assim, erva-daninhas, que em
tudo se imiscuem e terminam por furtar os dedicados cuidados que oferto às
sementes de metáfora e metalinguagem da plantação.
Culpa,
por exemplo. Culpa é uma palavra cansativa. Culpa é uma palavra-erva-daninha.
Mal a gente se dá conta, já está lá, plantada no meio das mais incongruentes
sentenças. Normalmente, vem com seu prefixo a tiracolo, como que para camuflar
dos nossos olhares jardineiros seu real significado. Mas não me engana mais.
Dizer “desculpa” é dar raiz para a culpa se criar onde não foi chamada. No meio
da frase de despedida e mesmo na saudação de chegada. Entre as frases ditas e
como única expressão das caladas. Pelo passo atrás e pelo passo em frente. Já
pedi tanta desculpa até por pedir desculpa, que muito me custa arrancar suas
elaboradas raízes. Como expressão cotidiana, ando preferindo o “sinto muito”.
Porque a grande verdade é essa: eu sinto tanto, eu sinto muito. Eu sinto as coisas
que fiz e causaram dores. Em minhas terras ou nos arredores. Eu sinto por tudo
que fiz e depois queria ver desfeito. Tudo isso me afeta e espeta, e, nesse
sentir intenso e contínuo, vou jogando luz – e aqui e acolá regando-lágrima –
no jardim.
Outra
palavra que planejo desenraizar dos meus canteiros é “ainda”. Ainda não
aconteceu? Ainda está aqui? “Ainda” dá uma impressão de descompasso com nosso
próprio tempo, como se pudéssemos andar atrasados nos ponteiros de nossos
próprios relógios. Como se o universo não fosse despreocupadamente pontual em
todos os seus giros. Ainda também empresta uma perigosa sensação de
inevitabilidade. “Ainda não aconteceu” é a certeza velada que atrasadamente
acontece. Que o caminho sob os pés espantosamente nos independe. Os “aindas” de
meu canteiro aceleram o ciclo dos duradouros “em tempo”, inquietam o
amadurecimento dos meus “durantes” e tapam a floração imprevista e bela dos “de
repentes”.
Por
fim, palavra outra que atrapalha a maturação da minha botânica vocabular é “pronto”.
Ah, estar pronto, esse estágio inatingível da matéria que nos empresta
justificativa para todo e qualquer adiamento. O texto jamais terminado – não está
pronto. O romance jamais começado – não estou pronta. Como se houvesse ideias
prontas, e elas ficassem de prontidão a nosso chamado. Como se tudo não fosse
ao mesmo tempo completo e em complexo e infindo processo de ir sendo. A semente
é ao mesmo tempo pronta e projeto. Também a folha. Também o fruto. Por isso,
podo de minha imagem essa minhoca das completudes, que teimava em esconder as flores-mudanças
das minhas locuções.
Palavras
daninhas devidamente identificadas, preparo-me para o longo tempo das capinas.
Não pode ser diferente. Não confio em agrotóxicos. Nem em artificialidades.
Olho-me no espelho e me escapa:
-
Desculpa, ainda não estou pronta.
Rio
ao me responder.
-
Sinto muito, sinto tanto que de repente é tempo.