quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Hoje dançamos na cozinha de manhã

Hoje dançamos na cozinha de manhã
apesar da ressaca dos recentes acontecimentos
Nos últimos tempos há algo, sempre algo, acontecendo
e nenhum dia parece propício para dançar mas
que bom que nos conhecemos em tempos mais delicados
e era permitida certa felicidade ingênua que agora parece tão despropositada
naquele tempo acho que também aconteciam coisas intragáveis
e só não tínhamos ainda a densidade de digeri-las
e hoje nos culpamos por não ter sentado à mesa no tempo certo
e provado do amargo desse café e virado a mesa
(como se pudéssemos nós só por não adoçarmos o café virarmos a mesa)
Saber é sempre um salto e já faz uns anos que estamos caindo
mas prefiro pensar que em qualquer tempo em que nos conhecêssemos
inventaríamos levezas como inventamos agora
apesar da preparação pro dia de ponderação sombria
de pesos e medidas
e perdas e mais perdas.
Eu gostava de matemática no colégio
quando estudava as somas
não sei contar perdas porque é como contar nadas
e ninguém tinha dito como o nada se avoluma
talvez a professora de literatura
mas prestávamos mais atenção na gramática
para brincar com as vírgulas das orações
o que também é um jeito de rezar nesses dias tão descrentes.
Ao menos dançamos na cozinha de manhã
como se o dia não fosse pisar no nosso pé
como se não fosse tão incongruente ser um pouco feliz
mas talvez seja mais incongruente não dançar na cozinha de manhã
quando cada vez mais o que nos resta é dançar na cozinha
e abraçar como quem empresta
uma armadura a cada despedida. 

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