Ontem, aprendi
em uma aula que vivemos sob a égide de uma ditadura do politicamente correto.
Ah, que sorte a minha ter um professor assim para me abrir os olhos. Eu, que
tolinha!, jurava que vivia em uma sociedade estratificada e preconceituosa, na
qual, aliás, era super cool fazer
piada com tudo que não fosse lindo-loiro-hétero. Mas, depois de acordar desse
devaneio esquerdista – só pode ter sido mesmo a maldita faculdade de História –
pude enfim ver em que pé vão as coisas.
Saí da
faculdade levemente atordoada pela revelação, mas imediatamente constatei sua
veracidade. Em meu caminho até minha casa casa, nenhuma propaganda que dissesse que mulheres
são loucas consumistas ou que devem preparar um bom jantar com “amor”. Várias
bancas de jornal no caminho e nenhuma (ne-nhu-ma) parede recoberta de corpos
femininos artificialmente perfeitos para minha pilulazinha de depressão diária.
Poxa, como vou viver sem um santo outdoor no qual venho de brinde na
compra de uma garrafa de cerveja? Muito opressor, cara.
Desnorteada,
cheguei em casa e liguei a TV. Ela, decerto, salvaria meu dia. Ah, que ledo
engano. Nas novelas, personagens negras tinham histórias próprias, não eram só
empregadas domésticas e porteiros. Espera que piora. As mulheres negras não
apareciam só como mulatas-sensuais-sedutoras! O auge da repressão enfim
chegara! Encolhi-me no canto do sofá, acuada e deprimida, quando me lembrei: há
uma luz no fim do túnel. Os programas de humor me salvariam. Respirei aliviada
ao achar um passando. Há, qual o quê! Nenhum gay histérico e promíscuo, nenhuma
mulher gostosa burra, nenhuma mulher “feia” sofrendo abuso sexual no metrô e me
dizendo que isso era uma sorte. Ah, vá lá, nem estava pedindo muito. Só um
relatinho de estupro de mãe de santo para salvar a pátria. Mas nada. Ah,
malditos ditadores do politicamente correto que destruiram a cultura nacional.
Último recurso
desesperado: a internet. Um comentariozinho enraivecido já me daria esperança
de um futuro melhor. Mas – sim, é o ponto final da linha, amigos – em um post
contra a presidenta da república só encontrei contestações políticas ao seu
governo, só divergências ideológicas e acusações contra seu partido. Nadinha
sobre sua vida sexual, minha gente? Nem uma referência sobre sua aparência
física? Agora me diz, onde esse país vai parar? Contra um político da oposição
tampouco achei alento nas críticas, nem um viadinho, nem um – ops, contra
homens-brancos-héteros nunca tivemos xingamentos baseados em preconceitos
mesmo.
Sentei-me
novamente ao sofá encarando tristemente o vazio. Como pretendem que eu explique
aos meus futuros filhos (porque é irrefutável que os terei. fui criada quando a
mídia ainda podia me convencer que eu não seria mulher se não tivesse filhos,
graz-a-deus) que não posso usar a expressão “preto de alma branca”? Vou ter que
dizer que ela não faz o mínimo sentido porque as pessoas são iguais? Querem
mesmo que eu diga para eles que dizer sapatão e viadinho não significa nada porque identidade sexual não é xingamento? Alôu, que mundo seria
esse pra se criar uma criança?
Sinceramente,
agora falando enquanto mulher, como vou viver sem minha dose diária de
objetificação, infantilização e incentivo ao estupro? Como vou construir minha
identidade assim?
Que bom a gente
ter um professor atento à realidade do país.
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