quarta-feira, 8 de abril de 2015

Carta a um querido colunista imparcial e desinteressado

Querido Colunista Imparcial Liberal Sem Medo de Polêmica,

Que alívio ver aqui registrada essa carta! É um sopro de ar em nossas angústias diárias desde que nosso filho foi para Universidade.  Andávamos preocupados.  

Sabe, sempre criamos o menino dentro do melhor dos tradicionais valores da família brasileira, sempre pagamos tudo que ele queria e ensinamos que quem não tem tudo isso é porque não trabalhou o suficiente. Era um garoto tão bom, queria fazer Direito para trabalhar no escritório do pai, tudo como sempre sonhamos. Até, veja só, entrar realmente para Universidade.

Pegamos a grade de horário deles e já nos preocupamos: Filosofia? Sociologia? Antropologia? Sei não, heim, tudo que termina com –ia, sabemos bem, rima com Ideologia. Mas nos tranquilizaram, ele leria uns textos gregos, talvez até uns do século XIX, mas ninguém ia fingir que aquilo se relacionava com nosso mundo atual. De resto, estava tudo bem. A quantidade de cursos de processo nos aliviava os corações aflitos.

Mas aí começaram a acontecer coisas estranhas. Ele começou a ir em umas reuniões, parece que eles chamam elas de palestras, onde pessoas que pensam coisas das quais sempre discordamos falam. Veja só: FALAM! Em um microfone. E nosso filho tem que escutar! Escutar opiniões estranhas de gente que nós (você, e todo mundo que está dentro do nosso quadrado) já sabemos que está errada desde sempre e para sempre. Por que deixar falar? Liberdade de expressão sim, mas só pros humoristas e deputados, né?

Se ainda fosse um debate de verdade, se chamassem para essas, como eles chamam “palestras”, gente como a gente, que sabe o que é certo e errado, aí tudo bem. Nós dois sabemos bem que nesse tipo de conversa a gente não ouviria nada que eles diriam e gritaríamos no final o que sempre achamos. Mas isso não é um conceito de debate produtivo? Muito melhor que escutar os argumentos de alguém e depois refletir sobre eles.

 Quando nosso filho começou a fazer Sociologia nós, que já estávamos com a pulga atrás da orelha, nos desesperamos. Ao invés de só textos da fundação da disciplina ou hermeticamente incompreensíveis para uma prova de decoreba, a professora resolveu discutir a situação social do Brasil. Na matéria em que se vai falar das relações entre sociedade e justiça, ela me faz isso. Na matéria que prevê na ementa a relação entre a lei e a sociedade ela leva as crianças para ouvir gente do, como é que eles chamam isso, “movimentos sociais”. Incompreensível que se leve os meninos para ouvir esses movimentos que propõe reformas legislativas e essas coisas ao invés de uma aula padrão sobre mudanças legislativas em abstrato.

Para piorar, ainda abriram, nessas tais de palestras, espaço para pergunta no final. Só para fingir que estão tentando pensar juntos, debater ideias. Como se isso lá fosse espaço para realmente conversar. Todos sabem que debate produtivo só se faz com cartas anônimas e no facebook. 

É mesmo o cúmulo!

Não, a gente manda esse menino para faculdade para assistir aulas decentes e aprender a reproduzir os dispositivos legais (que podem mudar com as alterações legislativas), a saber citar a jurisprudência que interesse no caso, falar com vocabulário rebuscado para ser chamado de doutor, essas coisas.

Não para ouvir ideias diferentes, para ser colocado em outros diálogos, para que lhe sejam apresentadas outras visões de mundo. Achamos que ele está começando a... temos até medo de dizer.

Achamos que ele está começando a pensar.

Obrigada pelo espaço totalmente desinteressado,


Casal de Bem


(Carta em total apoio irônico e imparcial à http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/educacao/doutrinacao-ideologica-na-puc-rio-professora-troca-aula-por-monologo-de-feministas-e-mst/)

2 comentários: