domingo, 5 de abril de 2015

Passagem

Às vezes a procura de um solo é simplesmente a procura de um colo. 

Por quantos caminhos anda um abraço até ser dado, não nos cabe saber. Cerra-se somente a vista para que o momento não lhe transborde.

Escuta, há que o quê só se vê de olhos fechados.

Quantos passos dei para poder cruzar essa soleira só se compara a imensidão de instantes que custaste a construí-la. Toda a marcha incansável dos de rumo trocado. Toda espera incerta dos que partiram sem dar por isso. Imensuráveis e inúteis contagens. Está cá o passo. Aí estavam a soleira e a porta e a possibilidade da passagem. Imaginássemos que fosse tão frugal bater na porta e entrar e sentar ao sofá e tanto era evitado. Mas soubéssemos que era simples e já deixava de sê-lo, pois que a mente humana anda a perder os caminhos da trivialidade e despachar como desnecessárias suas obviedades; pior para ela que a ternura é mesmo insuportavelmente simples e rudimentarmente óbvia, como esse cruzar de porta e esse encontrar-te no sofá e poder enfim descansar a cabeça em teu colo, descansar os meses que já formavam anos e iam eles também cansados de somarem-se a si, vez que, não sei se sabes, mas o tempo também se fatiga quando passa assim contado estreito nas sentenças de “há tantos dias que não te abraço”. Vê, até o dia aqui se demorou na pronúncia para ver se lhe mudávamos os sentidos e os rumos.

Não falamos do que não fosse importante. Não de caminhos, que de caminhos não se fala, só se percorre. Nem de abraços. Abraços só são. No entanto, falamos desse cheiro de terra molhada que restou depois da chuva da hora do almoço.

À partida, só disseste “Não te peço que fiques pois que o tempo de permanências já é passado e ficar é sempre coisa grande e indeterminada, mas só que voltes, pois que já sabes não só o caminho, mas ao que ele leva e a inescapável naturalidade desse encontro quantas vezes teimemos em desencontrar.”

eu disse “Volto”, e foi verdadeiro, pois que o tempo de voltar está sempre ao alcance dos pés. 

E mais não, que para o simples não se carece gastar palavras. 

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